Não é coincidência o fato de Ben Charles
ter nascido na terra de Makunaima, deus criador do mundo tal qual o temos e que
inspirou Mário de Andrade a escrever Macunaíma, um divisor de águas em nossa
literatura e que se valeu das pesquisas do naturalista alemão Theordor
Koch-Grünberg, que conviveu durante alguns anos com índios do tronco
lingüístico Caribe. Eis que Ben Charles também divide águas, no tempo e no
espaço da música da Amazônia. Tão moderno quanto tradicional, tão inventivo
quanto alternativo, tão experimentalista quanto barroco. Na música de Ben
Charles, a transcendência, a busca pela ruptura possível e imaginável em mundo
onde a indústria cultural tentou pasteurizar e diluir tudo, não se separa da
imanência das terras de Roraima, do pé no chão, do pirão de farinha d’água, do
jeito índio de ser. Tudo o que em sua música soa, sua, mimetiza-se no calor
verde, nas gotas de chuva que ficaram represadas nas folhas da floresta.
Mas não se iludam, que neste mundo é
preciso sintetizar o orgânico, guardar-lhe seus DNA’s, antes que algum
aventureiro sem compromisso o faça. Todos os mais modernos recursos são
bem-vindos para preservarmos a nossa biodiversidade, a nossa diversidade
cultural.
É por isso que, se Mario de Andrade se
valeu dos povos da terra de Ben Charles para lançar um dos mais importantes
pilares do movimento modernista, Ben Charles se valeu do modernismo, da
antropofagia mais voraz para transmutar-se em diversas formas e elementos, como
a nuvem que repentinamente tropeça no ar e deixa-se cair em cântaros, em um
dilúvio, deixando de ser vapor, para logo retornar no mormaço do sol que já se
apresenta novamente, à nuvem que havia sido.
Ben Charles não segue bússolas, mas
reconhece os astros e os rastros, sintoniza-se com os nossos dias e se utiliza
dos meios de alta tecnologia para o reencontro das raízes musicais de nossa
gente e, ao mesmo tempo, sem preconceitos, lança-se em busca de formas musicais
de outros povos.
Misturando mundos e linguagens e
silêncio, compassos e contratempos, texturas e teias, matizes do mato e da
cidade, Ben Charles traz Macunaíma de volta a sua terra natal.
Jaime Brasil
Jaime Brasil
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